quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

História do comércio



História do comércio

Desde tempos imemoriais que existem actividades comerciais. Poderá dizer-se que o comércio nasceu quando duas pessoas descobriram que se trocassem entre si o que cada uma tinha a mais pelo que cada uma tinha a menos poderiam ambas ganhar.

A troca, uma das componentes fundamentais da actividade comercial, é uma afirmação de inteligência, em que seres humanos decidem obter bens de que necessitam - ou que têm a vontade ou o desejo de possuir - não pela força, não pela coacção, não pela intimidação, não pelo furto, mas através de comunicação e de negociação.

A História do Comércio confunde-se com a História da Humanidade, como se confunde com muitas outras realidades que fazem parte da vida quotidiana das pessoas. O comércio e a distribuição estão presentes em quase tudo: na paisagem, no povoamento, nas compras, na ocupação do tempo, no emprego, na economia.

Neste sentido, a evolução do comércio é um assunto com vastas conotações e implicações que despertou naturalmente a atenção dos académicos.

A investigação e a produção teórica são demasiado vastas para que tenhamos a pretensão de fazer uma revisão minimamente consistente neste manual. Vale porém a pena fazer uma breve referência à Teoria da Roda do Comércio (TRC), que tem sido a mais influente.

Esta teoria assenta, tal como todas as outras teorias evolucionárias, de uma premissa fundamental: a de que a evolução segue um determinado padrão, que explica o passado e permite antecipar o futuro.

 Fazendo parte da família das teorias cíclicas, segundo as quais a evolução segue um padrão rítmico ou cíclico, a TRC sustenta que o processo passa por três estágios sucessivos:
• Fase inicial;
• Fase de desenvolvimento;
• Fase de vulnerabilidade.

Fase inicial
Na primeira fase uma nova forma de comércio emerge em resposta a oportunidades não satisfeitas no mercado. A fórmula comercial é simples, os serviços são mínimos e os custos são baixos, o que, permitindo praticar preços agressivos, contribui para acelerar a penetração no mercado.

O crescimento dos pioneiros é muito rápido mas, como é natural, o sucesso da nova forma desperta imitadores, aumentando a oferta e a concorrência.

Por exemplo, os hipermercados surgiram devido a uma oportunidade criada pela reunião de um conjunto de condições favoráveis, que incluem a prosperidade dos anos 60 na Europa, o surto de natalidade, a crescente taxa de motorização, a rede de auto-estradas e a generalização do frigorífico como equipamento doméstico.

Dirigindo-se a famílias relativamente jovens e relativamente numerosas, o hipermercado providenciava uma solução de "one stop shopping" e preços imbatíveis com a qual nenhuma outra forma de comércio podia rivalizar.

Fase de desenvolvimento
Na fase de desenvolvimento, a concorrência é cada vez mais intensa, o que conduz a tentativas de diferenciação por oferta de novos produtos e serviços e/ou por melhoria das lojas.

Estas iniciativas provocam no entanto um aumento de complexidade e de custos operacionais. No entanto, a quota de mercado do formato continua a aumentar, bem como as vendas e os lucros dos principais operadores.

Ao longo dos anos 70 e 80, o formato hipermercado foi crescendo e ganhando quota de mercado a outros tipos de estabelecimentos. A concorrência foi-se intensificando e começaram a registar-se as primeiras operações de fusão e aquisição. As lojas aumentaram de tamanho, os espaços tornados mais atractivos, o lay-out aprimorado.

Fase de vulnerabilidade
Na fase de vulnerabilidade, o formato vai-se gradualmente aproximando da saturação e, perante a diminuição do crescimento, os operadores tendem a diversificar ainda mais a oferta, a aumentar ainda mais a complexidade e os custos.

Face ao risco de erosão das margens, o formato deixa de poder ser tão competitivo em preço, o que o torna vulnerável a retalhistas inovadores abrindo caminho à emergência de um novo formato e a um novo ciclo da roda do comércio.

Voltando ao exemplo dos hipermercados, a partir dos anos 90 a possibilidade de crescimento começa a ser mais reduzida, porque os melhores espaços já estão ocupados e as vendas de novas lojas começam a acontecer mais por canibalização das vendas de outros hipermercados do que por conquista a outros formatos.

A concorrência intensifica-se entre as insígnias que procuram atrair consumidores com mais oferta de serviços, o que aumenta os custos e coloca as margens sob pressão.

A evolução histórica providencia exemplos de ciclos consecutivos da roda do comércio: lojas de departamentos, vendas por catálogo, supermercados, lojas de desconto, hipermercados, centros comerciais…A sequência e os tempos de duração de cada ciclo variam no tempo e no espaço.

Evolução recente em Portugal
A vaga de modernização do comércio em Portugal foi tardia, o que está relacionado com o atraso económico português ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX.

A principal diferença em relação aos nossos parceiros europeus é que o processo, tendo começado mais tarde, a partir de meados da década de 80, ocorreu de forma mais rápida. O modelo de desenvolvimento adoptado foi o predominante na Europa do Sul, sob a influência predominante da distribuição francesa.

Os primeiros sinais de que a longa letargia do comércio em Portugal poderia estar a terminar apareceram na sequência da adesão de Portugal à EFTA em 1959. Surgiram então os primeiros supermercados mas, em geral, o comércio alimentar continuou pulverizado, antiquado e anémico.

Em 1970 abre o primeiro Pão-de-Açúcar, na Avenida dos Estados Unidos da América, em Lisboa, abrindo no ano seguinte o Pão-de-Açúcar de Alcântara, o primeiro supermercado com parque de estacionamento. É também por essa altura que se começam a esboçar as primeiras cadeias de supermercados.

A primeira geração de hipermercados surge nos anos 70. Em 1975 eram contabilizados 4 hipermercados, todos eles com menos de 5.000 m2.

É só no final dos anos 70 e na década de 80, estabilizado o regime democrático e consumada a adesão de Portugal à CEE, que se inicia verdadeiramente a modernização.

Em 1979 tem início a cadeia de supermercados Pingo Doce, com a abertura de uma loja no Chiado, em Lisboa.

Nesse mesmo ano, a Supa (Pão-de-Açúcar) lança a cadeia de desconto Minipreço. Em 1980 surge o primeiro supermercado Inô. O ano de 1982 assiste a um reforço da presença da Sonae no comércio, através da aquisição dos supermercados Modelo, que junta à cadeia Invictos.

O ano de 1985 torna-se um marco histórico porque nele ocorreram vários acontecimentos de grande significado e importantes implicações:
• Abre o primeiro hipermercado de segunda geração (Continente de Matosinhos);
• É inaugurado o primeiro centro comercial de tipo regional (Amoreiras);
• É criada a Codipor (associação de código de barras);
• São instaladas as primeiras caixas automáticas da rede Multibanco;
• Portugal assina o tratado de adesão à CEE, com efectividade a 1 de Janeiro do ano seguinte.

A vaga de mudança que se seguiu teve como principais protagonistas hipermercados e centros comerciais. A Sonae mantendo as cadeias de supermercados Modelos e Invictos, aposta sobretudo na rápida abertura de hipermercados da segunda geração.

A Jerónimo Martins (JM) dá prioridade à constituição de uma rede de supermercados e começa a adquirir dimensão com a compra de 15 lojas Pão-de-Acúcar em 1987. A Supa decide concentrar-se em lojas de desconto e hipermercados, abrindo em 1988 o Jumbo de Alfragide, o maior hiper até então, com 9.050 m2 de área de venda.

Em 1989 a JM entra também nos hipermercados, inaugurando a primeira loja Feira Nova em Braga. Em 1990 abrem 2 hipermercados da insígnia francesa Euromarché, um em Lisboa e outro Gaia, depois integrados na Carrefour.

A inauguração do Continente de Cascais, em 1991, marca o início daquilo que se identifica como a terceira geração de hipermercados, de dimensões ainda maiores e integrados em centros comerciais.

A partir daí, hipermercados e centros comerciais não mais deixariam de evoluir conjuntamente. O hipermercado aumentava ainda mais o poder de atracção e ganhava com a flexibilidade de horários do centro. Este tinha no hipermercado uma importante loja âncora.

O quinquénio 1991-1995 assinalou o apogeu do formato hipermercado. Nesse período foram abertos 25 novos estabelecimentos, 3 dos quais pela primeira vez ultrapassaram os 10.000 metros quadrados. Para além da Grande Lisboa e do Grande Porto, que continuaram a captar o interesse principal, o conceito alastrou por cidades de média dimensão.

Nesta fase, os supermercados, não tendo um protagonismo tão evidente, registaram uma evolução igualmente assinalável, não só pelo aumento do número de unidades e da dimensão média das lojas, mas também pelo reforço das principais cadeias.

Em 1991 dá-se a entrada do Intermarché, com a inauguração das suas três primeiras lojas. Em 1993 a JM adquire 16 supermercados ao grupo Inovação, cedendo-lhe 6 da rede Modelo/Invictos (47 lojas) que havia comprado pouco tempo antes à Sonae. Em 1995 é a chegada dos hard discounters alemães com a entrada da Lidl.

Aproveitando o caminho aberto pelos hipermercados, as grandes superfícies especializadas tiveram uma expressão crescente ao longo da década de 90. É precisamente em 1990 que abre a primeira loja Aki, em Alfragide.

No mesmo segmento, abre no ano seguinte, por iniciativa da Supa, o Mr. Bricolage. Também em 1991 aparece em Portugal a Conforama, em parceria com a Sonae, experiência que teve curta duração.

Em 1993 é a entrada da Toys-R-Us, que abre duas lojas, em Lisboa e Gaia. A Sonae aposta claramente nesta via a partir de meados dos anos 90. Em 1995 abre as primeiras grandes superfícies de materiais de construção com a insígnia Max-Mat. Seguem-se a Sport Zone, a Vobis, a Modalfa e a Worten.

A modernização não deixou igualmente de envolver os grossistas. Em 1975 aparece em Lisboa o primeiro cash and carry, uma iniciativa dos Armazéns da Matinha, actualmente integrados na GCT.

Em 1990 a Makro entra em Portugal, com a abertura da loja de Alfragide e um conceito de venda particular que privilegia clientes profissionais.

A consolidação do mercado foi avançando e em poucos anos formaram-se os principais grupos de distribuição nacionais: Sonae e JM. Os percursos da duas empresas tiveram algumas semelhanças mas igualmente muitas diferenças.  

No que respeita aos principais operadores estrangeiros, numa primeira fase, a partir de meados dos anos 80, a entrada em Portugal foi sobretudo feita no sector alimentar pela distribuição francesa (Promodés, Conforama, Printemps, Prisunic, Intermarché, Leclerc).

A Auchan, a Fnac, a Decathlon e a Leroy Merlin aparecem mais tarde. Gradualmente, o centro de gravidade foi-se deslocando para o centro e norte da Europa (Makro, C&A, Lidl, Tengelmann, Aldi, Ahold, Ikea, Media Markt, H&M).

De premeio, foram entrando várias empresas de origem espanhola: Zara e outras insígnias da Inditex (Pull & Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Oysho), Mango, El Corte Inglés, Afonso Dominguez, etc.) todas elas no sector não alimentar. A entrada acontece por abertura directa ou através de franchising.

Portugal é, aliás, o destino europeu predilecto das cadeias de franchising de Espanha, já que, em 2006, as 89 insígnias e 1.557 lojas existentes no nosso país representavam 41.5% das unidades de negócio abertas em toda a Europa.

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