História do comércio
Desde tempos imemoriais que existem actividades comerciais. Poderá
dizer-se que o comércio nasceu quando duas pessoas descobriram que se trocassem
entre si o que cada uma tinha a mais pelo que cada uma tinha a menos poderiam
ambas ganhar.
A troca, uma das componentes fundamentais da actividade comercial, é uma
afirmação de inteligência, em que seres humanos decidem obter bens de que
necessitam - ou que têm a vontade ou o desejo de possuir - não pela força, não
pela coacção, não pela intimidação, não pelo furto, mas através de comunicação
e de negociação.
A História do Comércio confunde-se com a História da Humanidade, como se
confunde com muitas outras realidades que fazem parte da vida quotidiana das pessoas.
O comércio e a distribuição estão presentes em quase tudo: na paisagem, no
povoamento, nas compras, na ocupação do tempo, no emprego, na economia.
Neste sentido, a evolução do comércio é um assunto com vastas conotações
e implicações que despertou naturalmente a atenção dos académicos.
A investigação e a produção teórica são demasiado vastas para que
tenhamos a pretensão de fazer uma revisão minimamente consistente neste manual.
Vale porém a pena fazer uma breve referência à Teoria da Roda do Comércio
(TRC), que tem sido a mais influente.
Esta teoria assenta, tal como todas as outras teorias evolucionárias, de
uma premissa fundamental: a de que a evolução segue um determinado padrão, que
explica o passado e permite antecipar o futuro.
Fazendo parte da família das
teorias cíclicas, segundo as quais a evolução segue um padrão rítmico ou cíclico,
a TRC sustenta que o processo passa por três estágios sucessivos:
• Fase inicial;
• Fase de
desenvolvimento;
• Fase de
vulnerabilidade.
Fase
inicial
Na primeira fase uma nova forma de comércio emerge em resposta a
oportunidades não satisfeitas no mercado. A fórmula comercial é simples, os
serviços são mínimos e os custos são baixos, o que, permitindo praticar preços agressivos,
contribui para acelerar a penetração no mercado.
O crescimento dos pioneiros é muito rápido mas, como é natural, o sucesso
da nova forma desperta imitadores, aumentando a oferta e a concorrência.
Por exemplo, os hipermercados surgiram devido a uma oportunidade criada
pela reunião de um conjunto de condições favoráveis, que incluem a prosperidade
dos anos 60 na Europa, o surto de natalidade, a crescente taxa de motorização,
a rede de auto-estradas e a generalização do frigorífico como equipamento
doméstico.
Dirigindo-se a famílias relativamente jovens e relativamente numerosas, o
hipermercado providenciava uma solução de "one stop shopping" e
preços imbatíveis com a qual nenhuma outra forma de comércio podia rivalizar.
Fase de
desenvolvimento
Na fase de desenvolvimento, a concorrência é cada vez mais intensa, o que
conduz a tentativas de diferenciação por oferta de novos produtos e serviços
e/ou por melhoria das lojas.
Estas iniciativas provocam no entanto um aumento de complexidade e de
custos operacionais. No entanto, a quota de mercado do formato continua a
aumentar, bem como as vendas e os lucros dos principais operadores.
Ao longo dos anos 70 e 80, o formato hipermercado foi crescendo e
ganhando quota de mercado a outros tipos de estabelecimentos. A concorrência
foi-se intensificando e começaram a registar-se as primeiras operações de fusão
e aquisição. As lojas aumentaram de tamanho, os espaços tornados mais
atractivos, o lay-out aprimorado.
Fase de
vulnerabilidade
Na fase de vulnerabilidade, o formato vai-se gradualmente aproximando da
saturação e, perante a diminuição do crescimento, os operadores tendem a
diversificar ainda mais a oferta, a aumentar ainda mais a
complexidade e os custos.
Face ao risco de erosão das margens, o formato deixa de poder ser tão
competitivo em preço, o que o torna vulnerável a retalhistas inovadores abrindo
caminho à emergência de um novo formato e a um novo ciclo da roda do comércio.
Voltando ao exemplo dos hipermercados, a partir dos anos 90 a possibilidade
de crescimento começa a ser mais reduzida, porque os melhores espaços já estão ocupados
e as vendas de novas lojas começam a acontecer mais por canibalização das
vendas de outros hipermercados do que por conquista a outros formatos.
A concorrência intensifica-se entre as insígnias que procuram atrair consumidores
com mais oferta de serviços, o que aumenta os custos e coloca as margens sob
pressão.
A evolução histórica providencia exemplos de ciclos consecutivos da roda
do comércio: lojas de departamentos, vendas por catálogo, supermercados, lojas
de desconto, hipermercados, centros comerciais…A sequência e os tempos de
duração de cada ciclo variam no tempo e no espaço.
Evolução
recente em Portugal
A vaga
de modernização do comércio em Portugal foi tardia, o que está relacionado com
o atraso económico português ao longo do século XIX e da primeira metade do
século XX.
A
principal diferença em relação aos nossos parceiros europeus é que o processo,
tendo começado mais tarde, a partir de meados da década de 80, ocorreu de forma
mais rápida. O modelo de desenvolvimento adoptado foi o predominante na Europa
do Sul, sob a influência predominante da distribuição francesa.
Os
primeiros sinais de que a longa letargia do comércio em Portugal poderia estar
a terminar apareceram na sequência da adesão de Portugal à EFTA em 1959. Surgiram
então os primeiros supermercados mas, em geral, o comércio alimentar continuou
pulverizado, antiquado e anémico.
Em 1970
abre o primeiro Pão-de-Açúcar, na Avenida dos Estados Unidos da América, em
Lisboa, abrindo no ano seguinte o Pão-de-Açúcar de Alcântara, o primeiro
supermercado com parque de estacionamento. É também por essa altura que se
começam a esboçar as primeiras cadeias de supermercados.
A
primeira geração de hipermercados surge nos anos 70. Em 1975 eram
contabilizados 4 hipermercados, todos eles com menos de 5.000 m2.
É só no
final dos anos 70 e na década de 80, estabilizado o regime democrático e
consumada a adesão de Portugal à CEE, que se inicia verdadeiramente a modernização.
Em 1979
tem início a cadeia de supermercados Pingo Doce, com a abertura de uma loja no
Chiado, em Lisboa.
Nesse
mesmo ano, a Supa (Pão-de-Açúcar) lança a cadeia de desconto Minipreço. Em 1980
surge o primeiro supermercado Inô. O ano de 1982 assiste a um reforço da
presença da Sonae no comércio, através da aquisição dos supermercados Modelo,
que junta à cadeia Invictos.
O ano
de 1985 torna-se um marco histórico porque nele ocorreram vários acontecimentos
de grande significado e importantes implicações:
• Abre o primeiro hipermercado de
segunda geração (Continente de Matosinhos);
• É inaugurado o primeiro centro
comercial de tipo regional (Amoreiras);
• É criada a Codipor (associação de
código de barras);
• São instaladas as primeiras caixas
automáticas da rede Multibanco;
• Portugal assina o tratado de adesão
à CEE, com efectividade a 1 de Janeiro do ano seguinte.
A vaga
de mudança que se seguiu teve como principais protagonistas hipermercados e
centros comerciais. A Sonae mantendo as cadeias de supermercados Modelos e
Invictos, aposta sobretudo na rápida abertura de hipermercados da segunda
geração.
A
Jerónimo Martins (JM) dá prioridade à constituição de uma rede de supermercados
e começa a adquirir dimensão com a compra de 15 lojas Pão-de-Acúcar em 1987. A
Supa decide concentrar-se em lojas de desconto e hipermercados, abrindo em 1988
o Jumbo de Alfragide, o maior hiper até então, com 9.050 m2 de área de venda.
Em 1989
a JM entra também nos hipermercados, inaugurando a primeira loja Feira Nova em
Braga. Em 1990 abrem 2 hipermercados da insígnia francesa Euromarché, um em
Lisboa e outro Gaia, depois integrados na Carrefour.
A
inauguração do Continente de Cascais, em 1991, marca o início daquilo que se
identifica como a terceira geração de hipermercados, de dimensões ainda maiores
e integrados em centros comerciais.
A
partir daí, hipermercados e centros comerciais não mais deixariam de evoluir
conjuntamente. O hipermercado aumentava ainda mais o poder de atracção e
ganhava com a flexibilidade de horários do centro. Este tinha no hipermercado
uma importante loja âncora.
O
quinquénio 1991-1995 assinalou o apogeu do formato hipermercado. Nesse período
foram abertos 25 novos estabelecimentos, 3 dos quais pela primeira vez
ultrapassaram os 10.000 metros quadrados. Para além da Grande Lisboa e do
Grande Porto, que continuaram a captar o interesse principal, o conceito
alastrou por cidades de média dimensão.
Nesta
fase, os supermercados, não tendo um protagonismo tão evidente, registaram uma
evolução igualmente assinalável, não só pelo aumento do número de unidades e da
dimensão média das lojas, mas também pelo reforço das principais cadeias.
Em 1991
dá-se a entrada do Intermarché, com a inauguração das suas três primeiras
lojas. Em 1993 a JM adquire 16 supermercados ao grupo Inovação, cedendo-lhe 6
da rede Modelo/Invictos (47 lojas) que havia comprado pouco tempo antes à Sonae.
Em 1995 é a chegada dos hard discounters alemães com a entrada da Lidl.
Aproveitando
o caminho aberto pelos hipermercados, as grandes superfícies especializadas
tiveram uma expressão crescente ao longo da década de 90. É precisamente em
1990 que abre a primeira loja Aki, em Alfragide.
No mesmo
segmento, abre no ano seguinte, por iniciativa da Supa, o Mr. Bricolage. Também
em 1991 aparece em Portugal a Conforama, em parceria com a Sonae, experiência
que teve curta duração.
Em 1993
é a entrada da Toys-R-Us, que abre duas lojas, em Lisboa e Gaia. A Sonae aposta
claramente nesta via a partir de meados dos anos 90. Em 1995 abre as primeiras
grandes superfícies de materiais de construção com a insígnia Max-Mat.
Seguem-se a Sport Zone, a Vobis, a Modalfa e a Worten.
A
modernização não deixou igualmente de envolver os grossistas. Em 1975 aparece
em Lisboa o primeiro cash and carry, uma iniciativa dos Armazéns da Matinha,
actualmente integrados na GCT.
Em 1990
a Makro entra em Portugal, com a abertura da loja de Alfragide e um conceito de
venda particular que privilegia clientes profissionais.
A
consolidação do mercado foi avançando e em poucos anos formaram-se os
principais grupos de distribuição nacionais: Sonae e JM. Os percursos da duas
empresas tiveram algumas semelhanças mas igualmente muitas diferenças.
No que
respeita aos principais operadores estrangeiros, numa primeira fase, a partir
de meados dos anos 80, a entrada em Portugal foi sobretudo feita no sector
alimentar pela distribuição francesa (Promodés, Conforama, Printemps, Prisunic,
Intermarché, Leclerc).
A
Auchan, a Fnac, a Decathlon e a Leroy Merlin aparecem mais tarde. Gradualmente,
o centro de gravidade foi-se deslocando para o centro e norte da Europa (Makro,
C&A, Lidl, Tengelmann, Aldi, Ahold, Ikea, Media Markt, H&M).
De premeio,
foram entrando várias empresas de origem espanhola: Zara e outras insígnias da
Inditex (Pull & Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Oysho), Mango,
El Corte Inglés, Afonso Dominguez, etc.) todas elas no sector não alimentar. A
entrada acontece por abertura directa ou através de franchising.
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